L'ennemi

Voilà que j'ai touché l'automne des idées
Baudelaire

lundi 13 juin 2011

Minha poesia

Minha poesia é caixa de vidro:
Guarda o deserto arenoso,
O lagarto metamórfico.
Ora vidro fumê,
Ora chumbo grosso;
Se me concentro,
verde-musgo.

Minha poesia é cidade sitiada:
Isola a doença contagiosa,
A violência pandêmica.
Ora beco sem saída,
Ora estreita avenida;
Se me asfalto,
cinza-morte.

Minha poesia é copo com água:
Afoga a sede desgraçada,
O calor insípido.
Ora meio cheio,
Ora meio vazio;
Se me completo,
marrom-lama.

Minha poesia nem é rasa!
De tão rala,
Não me rasga,
Não me fere.
Adoeço e não tenho febre.
Mata e sufoca e não envenena.
Corro, morro, mas não me sustenta.

dimanche 12 juin 2011

Os nós de nós dois

               A luz era vermelha e enchia o lugar com um cheiro doce e sensual. O quarto parecia ser o mesmo da última lembrança. Deitado onde estava, ele conseguia ter uma visão panorâmica do ambiente que os distanciava agora. Uma mesinha de granito no canto, paredes brancamente avermelhadas pela luz, uma cama grande que podia ser contemplada do teto, um quadro que exaltava a luxúria. As bocas desejosas do encontro que jamais aconteceria, separadas na imagem estática. As mãos seguravam os seios arredondados da mulher que nunca seria olhada nos olhos, consumida de costas para o expectador observar cada detalhe de seu corpo...
               A porta do banheiro se abriu. Ele tentou disfarçar o nevorsismo incoerente. Ela também estava nervosa. Sempre parecia ser a última vez. E essa sensação conferia ao momento uma necessidade única de realizar todos os desejos de seus corpos. Ela se aproximou da cama, enquanto ele se levantava. Ele já estava despido. Ela tentava esconder as curvas expostas pela camisola de tecido transparente. Ele segurou suas mãos e, delicadamente, beijou seus decotes. Beijo por beijo, alcançou a sua boca úmida. Ele a deitou na cama, como um pai que vai ler uma história para a filha. Seus cabelos lisos e castanhos espalhavam-se pelo travesseiro branco. Ela podia olhá-lo nos olhos e confessar seu amor, mas de que serviria a eles? Antes de virá-la de costas, ele sussurrou em seu ouvido o quanto estava particularmente linda naquele momento e despiu-a da camisola com a habilidade de uma brisa fresca. 
               Mesmo naquela posição, ela podia acompanhar cada expressão do corpo dele pelo espelho. Ele estava de olhos fechados, mas seu corpo vislumbrava cada centímetro do dela, esgotando cada suavidade de pele com a ponta da língua. De vez em quando, ele precisava parar para respirar profundamente, como se o ar acabasse antes de chegar aos seus pulmões. Ele beijava cada detalhe do corpo dela, descobrindo todos os mistérios daquela mulher. O corpo dela reagia, como uma deusa adorada por um crente fanático. Quando sentiram que a paixão ia transbordar, encaixaram-se um no outro com a naturalidade de quem se visita regularmente. Alcançaram juntos o ápice daquela loucura. 
               Ela o amava e sempre o amaria. Naquele instante, ele a amou com certeza. Continuaram deitados e abraçados, aguardando o mundo exterior intervir no sonho compartilhado pelos dois. O telefone dele logo tocou, fazendo-a acordar bruscamente. Dessa vez, era ela que se via sozinha na cama. Olhando a sua volta, ela decidiu que merecia mais. Ele pareceu concordar, mas tinha que ir embora de qualquer forma. Apressadamente, ele se vestiu e recolocou a aliança no dedo da mão esquerda, rezando silenciosamente que ela não demorasse no banho. Ela sabia como funcionava, logo, vestiu-se rapidamente. Ele sempre descontraía o clima falando sobre coisas que ambos gostavam de conversar. Ela ria e ele a abraçava. Estranhamente, estariam ligados por um longo tempo. Mas nunca seriam mais do que eram  naquela história. Era como viver num mundo paralelo conhecido apenas por eles. Quando o tempo acaba, não há mais o que fazer, além de ir para casa e esperar que ele queira desfrutá-la novamente, além de esperar que as páginas do livro acabem. Ela não conseguia chegar ao fim da leitura...

vendredi 3 juin 2011

Memórias de uma guria viajante V: Angústia de quem vive

Era humanamente desumano. E Ele parecia zombar de cada gota da angústia que, dolorosamente, inundava o copo daquela famíla. Não se podia dizer que era bem uma tempestade... Nem que era simplesmente uma longa estiagem. Até o dia estava ensolarado. Entretanto, alguns a chamavam Morte. Talvez o fim combine mais com a noite para que o dia traga alguma esperança, ou qualquer outro motivo para continuar vivendo, um desses motivos que encontramos para não morrer diariamente e aos poucos. Quem sabe, fosse apenas uma ironia do Destino?  Mas a sátira continuava...
Eu via o verde céu. Estranho foi vê-lo arroxear-se com as horas infindáveis de um dia que teve quarenta e oito horas e duas noites interpostas. J. C. parecia distante no meio dos outros e intimamente próximo ao meu lado. Dessa vez, meus olhos não o procuravam. Meus medos e orações seguiam na direção dela. Tão firme, tão forte, tão prestativa... Ofereceu seus ombros a todos e esqueceu-se de sua própria dor. Não, guardou-a para si para chorar a perda no silêncio e no calor de seu quarto, para lamentar a morte sufocando os próprios gritos de desespero. Ela havia encarado a Morte mais uma vez e sobrevivido a ela novamente. A Morte era negra, mas não como a noite que possui estrelas, mas como o fim que não possui voltas. Comercializava almas como um ladrão. O funeral foi longo. O enterro foi emocionante. A dor será eterna. O homem não pode ser substituído. E não seria.