L'ennemi

Voilà que j'ai touché l'automne des idées
Baudelaire

dimanche 26 septembre 2010

Le goût d'un mensonge

     
Enquanto o sol poente banhava a cidade com seu brilho dourado, o vento varria as folhas secas de um Outono caído. O sopro era gélido. Talvez o Inverno chegasse mais cedo neste ano. Mas, apesar de ser gélido e cortante, era só o Outono.
O cabelo teimava em tapar-lhe os olhos. A névoa teimava em embaçar-lhe a vista. Caminhava pelas ruas contemplando o cinza do concreto mesclar-se ao vermelho das frutas que lhe chamavam a atenção. As maçãs do rosto igualmente avermelhadas, essas pelo frio. As amoras da quitanda arroxeadas pelo amadurecimento, essas eram suas preferidas.
A boca nutria o desejo ansioso dos amantes. As mãos tornavam o pecado perfeitamente possível. O cheiro era inebriante. A textura provocante. Entreabertos, os lábios lembravam duas cerejas silvestres: róseos e macios. Os olhos tinham a cor do tabaco, intensamente escuros. Fracos, já não se mantinham abertos. Era tão sedutora, tão suavemente sensual e terna a mordida que todos os sentidos se concentraram no sabor indescritível daquela infrutescência carnosa. O mundo havia parado? Não ouvia mais o barulho do vento nem da ruidosa metrópole. Não importava. Mais nada importava. O gosto entorpecia silenciosamente todo o corpo. Um leve calor se espalhou junto com os espasmos de prazer.
O sensível delírio do paladar havia acabado. E, ao abrir os olhos, era tudo escuridão. Tentei gritar, mas a voz não saía. Tentei chorar mas a lágrima não corria. Nem crepúsculo, nem aurora. Era só a madrugada eterna e solitária, ostentando o obscuro de nós mesmos. Um passo e vislumbrei a a morte na sensação de cair num poço sem fim. Quando o corpo alcançou o chão, pude ouvir o som de meu próprio grito. Mas, apesar de ser duro e humilhante, era só o chão do meu quarto. Um pesadelo numa noite de sono atormentado pelo calor dos trópicos. Voltei à cama, deixando as gotículas de suor elevarem meu corpo nu às carícias d'un mensonge.

4 commentaires:

  1. Desenvolve mais... achei muito repentino, tanto o início quanto o fim. Mas gostei, fiquei refém. Você escolhe as palavras mais cruéis, que ódio!

    Beijão.

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  2. Não escolho, não. Gostei da ideia de sentir-se refém. Talvez por isso vc ache repentino! Brincadeira... Foi só um texto escrito numa madrugada qualquer, numa madrugada fria e solitária. Por isso tão sensual. Como já lhe disse, de madrugada imagino muito...

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  3. Dei uma viajada bem libinosa nesses símbolos sugeridos: maçãs, pecado, prazer, corpo entorpecido... Também gostaria de ver ele mais desenvolvido, mas talvez se o fizesse quebrasse essa coisa mais imaginária que temos quando lemos.

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  4. Ficou exatamente como tinha que ficar. Adoro o "repentino". Adoro os Eufemismos e aforismos justamente por isso. Resumem uma imensidão em um texto aparentemente vão. Deixa a se imaginar e materializar as imagens e conceitos a toda sorte. Deixa estar, oh imaginação!..

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